Dinheiro Demais Faz Mal. Valuation Demais Faz Mal

Esse artigo trata de um passado recente. Trata do pseudo-fenômeno pontocom que vivemos no mundo e, de Jul de 98 a Mai 00, no Brasil.

Trata de uma série de empreendedores que resolveram montar seus negócios online, com o sonho do enriquecimento rápido, e acabaram sucumbindo junto com a derrocada pontocom. Trata também de inúmeras empresas e investidores da mais alta experiência e poderio econômico que acabaram perdendo fortunas com a Internet.

Muitos fatores explicam primeiramente a hipnose generalizada que o efeito Nasdaq causou no mundo, dentre elas, o incrível crescimento da economia americana, o excesso de capital disponível para investimentos, a cultura do Vale do Silício, o fervor dos gurus, os IPOs impressionantes e os casos de sucesso como Amazon e Yahoo!.

Muitos fatores também explicam a enorme depressão que enfrentamos quando a Nasdaq começou a desmoronar, dentre eles a reversão da economia global, a exuberância irracional de Alan Greenspan, o devaneio dos jovens enriquecidos, os péssimos resultados da maioria dos investimentos, a saturação tecnológica de mercados e empresas (valor marginal do upgrade tecnológico) e o crescimento abaixo do esperado do e-commerce, para citar alguns

Entretanto, acreditamos que o principal fator de desmoralização das empresas pontocom foi a falta de consistência da grande maioria dos modelos de negócios, inclusive desprezando o lucro como objetivo econômico da empresa. No Brasil, em específico, a cópia fiel de Sites americanos, traduzidos roboticamente para o mercado nacional sem considerar questões básicas como cultura, costumes, perfil de consumo, nível de informatização da sociedade, questões logísticas, creditíceas, tributárias e de infra-estrutura, além de peculiaridades regionais.

Tanto nos EUA, como no Brasil, vimos inúmeras vezes o que chamamos na E-Consulting de fenômeno “Quem nunca mexeu com carro”.

Esse fenômeno só foi possível porque quando ninguém entende nada de alguma coisa, aceita qualquer coisa para fingir que entende. Ou seja: como todos queriam participar de alguma forma da panacéia da Internet, isso possibilitou a quem nunca tinha mexido com carros, não entendia nada de carros e nem mesmo sabia o que era um carburador, se arvorarem a montar um Site/Portal para vender automóveis (os tais portais verticais com conteúdo, serviços e comércio) e se meter a concorrer com montadoras, concessionárias e gente muito séria que fazia isso há muitos anos.

É como se a Internet fosse uma máscara que cobrisse a inexperiência, ilusão, ingenuidade ou mesmo a má fé desses empresários e os tornasse experts em automóveis, imóveis, assuntos médicos, comércio em geral, etc. Pior ainda, quando esses empresários se arvoravam a atender ao mercado corporativo com seus Sites B2B (Business to Business).

As empresas tradicionais, por sua vez, no início ignoraram, trataram como fenômeno passageiro ou experimentaram timidamente levar seus negócios para a Internet. Hoje são, definitivamente, quem mais têm sucesso com a rede ao lado dos poucos pure players que estão conseguindo chegar lá, como Amazon e o Submarino, por um tempo, no Brasil.

Nos Estados Unidos, o inferno astral para as empresas tradicionais foi quando tiveram de responder ao mercado, lá por 1998-99, porque não estavam fazendo nada na Internet. A corretora Charles Schwab foi um exemplo de empresa que explorou a Internet com sucesso.

O verdadeiro erro de premissa das empresas tradicionais, como a Barnes & Noble, em relação à Internet, estava na adoção da lógica de que as deveriam criar suas unidades online totalmente desvinculadas da empresa tradicional, que naquele momento, ao invés de serem vistas como ativos de suporte às iniciativas Web, eram vistas como o tijolo e o cimento que tiravam o brilho e o valor dos filhotes puros, digitais. Assim, esperavam com esse spin-off poder abrir o capital de suas unidades online e cair na receita de “riqueza” do mundo pontocom.

Foi nessa que o Pão de Açúcar, que tinha em seu delivery pela Internet uma operação bastante positiva lá pelos idos de 1998, resolveu mudar de posicionamento e lançou uma empresa independente – o Amélia. O Amélia nascia sem a infra-estrutura, marca, experiência pregressa de relacionamento, enfim, sem todos os ativos que o Pão de Açúcar tinha conquistado ao longo de tantos anos de relacionamento sólido com o consumidor.

Além disso, a infelicidade do nome, inicialmente pensado como um suporte à mulher moderna (ou seja, “como você é uma mulher moderna, você não é a Amélia, você tem sua Amélia, que é o Site do Pão de Açúcar que faz tudo para você poder ter sua vida superativa”), acabou passando justamente o conceito ofensivo de que as mulheres, principais compradoras de supermercados, eram Amélias. Bola fora, dinheiro jogado no lixo, algum arranhão na imagem do Pão de Açúcar e reintegração total das operações para o “velho e bom” supermercado, voltando a ser um delivery online.

Em nenhuma circunstância pode haver uma situação onde todos ganham tanto, por tanto tempo. Nunca! Alguém tinha de perder em algum momento para compensar os violentos ganhos de empreendedores sérios, oportunistas – no bom sentido – e também aventureiros. Quanto às velhinhas de Londres – olha elas aí de novo dançando, junto com um monte de familiares e amigos endinheirados e desavisados que acreditaram no enriquecimento imediato, um bando de bem intencionados ingênuos e uma tropa de marinheiros de primeira viagem.

O auê passou e com ele foi o sonho da grande maioria desses empreendedores. Foi também muito dinheiro de investidores individuais, fundos de investimentos e empresas.

Olhando para trás, ponderando sobre todos os fatores, algumas conclusões acabam saltando aos nossos olhos:

(i) era inevitável que fosse assim, pois onde há oportunidade, há candidatos,

(ii) não existe negócio sem lucro, por mais idealistas que sejam os empreendedores,

(iii) quer ter sucesso no mercado de camarões, trabalhe com quem entende de camarões, física ou virtualmente e

(iv) segundo um ex-sócio de um ex-banco de investimentos brasileiro bastante agressivo (que hoje pertence a um banco internacional) e a quem escutamos sempre que podemos “o excesso de capital em caixa, sem uso ou justificativa, torna as empresas preguiçosas”, sendo, de fato, o ferrão do escorpião que inocula o veneno no coração das empresas, matando-as aos poucos.

Estamos vivendo a nova onda Web, encabeçada pelo Google. Muito dinheiro rolando, muito valuation fora de padrões justificáveis. A onda 2.0 é mais onda que vai eclodir. E outros perderão para que alguns ganhem. Já escrevemos isso: a Internet é e será uma sucessão de ondas que se canibalizam sequencialmente.

Passam as ondas, fica a lição de 200 anos de sucessos e fracassos corporativos: se quer montar uma empresa, seja tradicional, seja online: trabalhe, tijolo sobre tijolo, porque atalho termina em abismo para você e quem você carrega.

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