IstoéDinheiro, Outubro, 2017
É na California que reside o berço da inovação mundial. Ali, entre as colinas de Palo Alto, San Jose, Mountain View e Cupertino nasceram – e ainda nascem – as tendências e as empresas de tecnologia que estão transformando o modo como interagimos com o mundo. Portanto, é fácil compreender a escolha do colombiano David Vélez pela Califórnia quando ele decidiu montar a startup Nubank, uma das empresas mais inovadoras do mercado financeiro brasileiro. Mas a Califórnia eleita por Vélez não era a mesma da Apple, do Google, do Facebook ou da Microsoft. Neste caso, a Califórnia, palco do nascimento do Nubank, é uma das ruas que formam o bairro paulistano do Brooklyn.
Foi lá, em um sobrado de 130 metros quadrados, no número 492, que a empresa começou suas operações em maio de 2013 e permaneceu até janeiro de 2015. “Fazíamos reuniões na cozinha, na sala, onde tivesse espaço”, diz Vélez. “Quando chamávamos alguém para trabalhar conosco, as pessoas olhavam e diziam ‘isso não é um banco, é uma casa’. Era bem difícil convencer os profissionais do mercado a trabalhar conosco.” Brincadeiras à parte, muitos dos que declinaram do convite hoje se arrependem. Afinal, o Nubank está transformando o mercado financeiro com o seu modelo de negócio baseado no uso intensivo da tecnologia, na isenção de tarifas no cartão de crédito e em taxas de juros mais baixas do que as praticadas pelo mercado.
Vélez teve a ideia de criar a empresa a partir do que ele chama de “uma dor”. Formado em engenharia pela famosa universidade de Stanford, na, imagine só, California, ele trabalhava para o fundo de venture capital Sequoia, o mesmo que deu o primeiro milhão de dólares para Steve Jobs alavancar a Apple, e desembarcou no Brasil, em 2011, para encontrar oportunidades de investimentos. Não achou nenhuma empresa que o interessasse, mas esbarrou na burocracia quando precisou abrir uma conta bancária. “Depois de cinco horas em uma fila no banco, percebi que havia uma oportunidade de negócio”, diz ele.
No começo, só escutou palavras desencorajadoras. Todos diziam que não dava para competir com os cinco grandes bancos brasileiros. Mesmo assim, ele seguiu em frente. Bateu na porta de investidores brasileiros e não conseguiu um tostão sequer. A saída foi encontrada – mais uma vez – na California, mas a que concentra os principais fundos de venture capital do mundo. Desde então, o Sequoia Capital, o Tiger Global, o Founders Fund, QED Investors, o DST Global e o Kaszek Ventures (da Argentina), já aportaram US$ 180 milhões no Nubank.
Hoje, a fintech está sediada em um descolado prédio de 7 mil metros quadrados na rua Capote Valente, no bairro paulistano de Pinheiros, e conta com 500 funcionários. A receita do primeiro semestre deste ano foi de R$ 236,8 milhões, mais do que o anotado em todo o ano passado. No período, o prejuízo operacional alcançou R$ 39 milhões. “Não temos o capital e nem a infraestrutura que os cinco grandes bancos têm, mas temos tecnologia, uma cultura muito forte, somos rápidos e pensamos no cliente. Então, utilizando outras ferramentas, conseguimos competir e pegar uma fatia do mercado”, diz Vélez. Apesar de não ser gigante, o Nubank conseguiu fazer com que os titãs do mercado financeiro seguissem a sua receita. “O Nubank foi fundamental para oxigenar o mercado financeiro e estimulou a criação de outras fintechs”, diz Daniel Domeneguetti, sócio da E-Consulting Corp.
O cliente abre uma conta por meio de um aplicativo no celular, pede o cartão e recebe em menos de cinco dias. Não há tarifas, nem anuidade e os juros variam de 2,75% a 9,95% ao mês. O cartão roxo virou uma febre. “Já recebemos 13 milhões de pedidos e a operação está crescendo a uma média de 10% ao mês”, diz Vélez. No total, 2,5 milhões de pessoas hoje possuem um cartão da empresa. O movimento criado por Vélez fez bancos tradicionais se mexerem. “O Digio, do Banco do Brasil e do Bradesco, é quase uma cópia do Nubank. Se você olhar, os aplicativos do Itaú e do Santander são muito parecidos com o nosso.” Nos últimos meses, o Nubank criou um programa de fidelidade em que cada real gasto é convertido em um ponto e eles nunca expiram. Agora, a empresa dá um novo salto.
Na terça-feira, 24 de outubro, na sede da empresa, onde se formava uma enorme fila na rua, Vélez anunciou em um auditório lotado por clientes, parceiros e geekies a criação da NuConta. Trata-se de uma conta bancária no qual o dinheiro depositado passa render automaticamente em uma taxa indexada ao CDI. “O dinheiro é aplicado em títulos do tesouro”, diz Vélez. Basta baixar o aplicativo e abrir a conta. Quem é cliente Nubank, diz ele, pode abrir a conta com dois cliques e a senha de acesso se torna única. Por enquanto, a NuConta serve para transferências bancárias sem tarifa, mas, no futuro, a meta é oferecer outros serviços como cartão de débito, pagamento de boletos, empréstimos e toda a gama disponível nos bancos. Indagado sobre quais seriam, então, as vantagens de ter uma conta na qual o correntista não pode sacar dinheiro, Vélez responde que o ganho está no rendimento do dinheiro depositado. “O cliente não precisa se preocupar, automaticamente estará rendendo.”
Vélez afirma que a ideia é oferecer o serviço para 100% da população, sobretudo, os 60 milhões de brasileiros que não têm conta bancária. E já dá uma pista de quem a empresa irá atacar. “Recebemos 13 milhões de pedidos de cartão e nem todos foram aceitos. Agora, essas pessoas podem ter uma conta conosco”, diz o empresário. “Uma verdadeira revolução só faz sentido se é para todo mundo. Por isso, nossa verdadeira revolução começa agora”, disse Vélez, recebendo entusiasmados aplausos e gritos da plateia. E, ao que parece, novos passos virão pela frente. Os executivos do Nubank confirmaram que o pedido para virar banco está em estágio avançado no Banco Central, o que colocaria a operação em outro patamar. Gustavo Franco, ex-presidente do Banco Central e conselheiro do Nubank, faz coro. “O que estamos assistindo com essas fintechs é a verdadeira queda do império romano”, disse Franco, em relação aos grandes bancos que operam no mercado. E Vélez confirma que continuará criando novos serviços. “Por isso não nos chamamos Nucard, mas, sim, Nubank.”
“A forma como influenciamos o mercado melhora a experiência bancária de todos os brasileiros”
Quais foram os principais desafios para mudar o setor bancário no Brasil?
O primeiro passo foi quebrar uma grande crença convencional, que eu via em 2012 e 2013, de que não dava para competir com os grandes bancos. Depois de duas décadas de consolidação bancária, as pessoas diziam que cinco grandes bancos tinham ganhado o primeiro round e não dava para competir com eles. Todos no setor me diziam que os reguladores não queriam concorrência e que para concorrer eu precisaria de muito capital para abrir agências. Havia muitas crenças que faziam as pessoas não entrarem nesse setor.
E o que foi feito?
A primeira coisa que fizemos foi quebrar essa crença. Mostramos que dá para concorrer com eles mesmo sendo uma startup. Não temos o capital e nem a infraestrutura que eles têm, mas temos tecnologia, uma cultura muito forte, somos rápidos e pensamos no cliente. Então, utilizando outras ferramentas, conseguimos competir e pegar uma fatia do mercado. Não só estamos forçando essa concorrência como nos tornamos exemplo para toda a indústria de fintech que está crescendo e se desenvolvendo. O entendimento que era um setor sagrado, reservado para apenas cinco bancos, acabou.
Você tem o retorno de outros empreendedores, donos de fintechs, de que o Nubank foi inspirador?
Sim, escuto muitos empreendedores dizendo para a gente que o Nubank tem que dar certo, que somos o exemplo de empresa que pode crescer e concorrer no segmento. Participo de eventos com empreendedores, conferências e palestras para ajudar outros empreendedores a criar e desenvolver suas fintechs.
Qual foi a maior dificuldade?
A maior foi a formação de equipe. No começo, quando chamávamos os profissionais para contratar, as pessoas olhavam para a casinha onde estávamos e achavam que éramos malucos. Diziam: ‘isso não é um banco, é uma casa’. Enfrentamos muito ceticismo também dos investidores locais e não conseguimos levantar capital no Brasil. Por isso tivemos que buscar investidores no Vale do Silício.
Hoje, podemos dizer que o Nubank incomoda o setor?
Já escutamos de muita gente que veio trabalhar aqui que a tela do nosso aplicativo está colada na parede de um determinado banco. O Digio, do Banco do Brasil e do Bradesco, é quase uma cópia do Nubank. Se você olhar os aplicativos do Itaú e do Santander, são muito parecidos com o nosso. A forma como influenciamos o mercado melhora a experiência bancária de todos os brasileiros. Baixar os juros, as tarifas e melhorar os serviços no Brasil inteiro. Fazemos isso por meio de nossos produtos e também forçamos os bancos a fazer isso.
Há planos de entrar em novos segmentos?
Sim, a ideia é conseguir oferecer mais produtos para nossos consumidores.
O que mais dá para fazer para mudar o setor?
Temos crescido muito e temos superado todas as expectativas. Mas ainda somos muito pequenos se comparados aos grandes bancos. Para melhorar esse setor, a gente tem de crescer muito em número de clientes e, para isso acontecer, temos de oferecer novos produtos. A ideia é oferecer produtos mais completos para um segmento muito maior do mercado.