Bill Gates já se tornou um avatar de si próprio. E não é de hoje.
Recentemente deixou a direção da empresa que criou. A Microsoft já foi a empresa mais valiosa do mundo e ele o homem mais rico do mundo. Perdeu ambos os postos. Ele sutilmente olha para isso como quem enxerga uma simples questão de momento.
A Microsoft enfrenta múltiplos embates simultaneamente. E isto não é fácil. É o ônus de quem abre várias frentes de combate e coleciona opositores de todos os lados e interesses.
A empresa briga para manter seu modelo de negócios baseado em licenças, briga contra a pirataria, para se posicionar no mercado de games, para se tornar um player de respeito em aplicativos corporativos, para liderar o movimento de segurança da informação, para aprender a inovar. É muito dinheiro para muita briga. E muita briga para um marca só. Uma visão hegemônica que talvez não se sustente. Mas Bill é Bill, mesmo sentando apenas “no conselho”.
A batalha mais agressiva da MS será no campo da convergência e dos serviços Web. Aqui está o futuro do software, do conteúdo, dos serviços, dos aplicativos. Bill sabe disso.
Google e Nokia disputam com MS a liderança global neste campo. Cada qual aporta à mesa diferenciais impressionantes, além de muita disponibilidade e apetite para investimentos. Senão vejamos:
- A MS entra com toda sua base instalada de Windows e PCs, com participações em empresas tipo Facebook e com suas operações proprietárias, como MSN, Messenger, etc.
- A Nokia entra com mais de 1 bilhão de celulares, boa parte habilitados para dados (no Brasil, em 2009, estima-se que 55% da base de celulares Nokia já esteja habilitada), e um estratégia poderosa de se tornar líder global em serviços móveis-convergentes; ou seja, web (vale lembrar que a Nokia, como ninguém no mundo, soube mudar seu core-business com sucesso nos últimos 100 anos).
- O Google, por sua vez, é o atual líder e senhor supremo do campo de batalha digital. E segundo Sun-Tzu, isso lhe confere enorme competitividade, pois já conhece o terreno melhor que os oponentes.
Como a MS vai se sair, só o tempo dirá. Bill Gates, ao longo de sua história, soube mudar o curso de crenças e decisões erradas que tomara. Foi assim com a Internet em 93; foi assim com o Software Livre em 2000. Vejamos algumas lições que Bill nos legou:
- Veja o Todo e Pense Grande: Bill se organizou mentalmente para liderar desde sempre. Não foi acaso. Foi desejo, trabalho e um monte de acordos estratégicos (alguns até questionáveis eticamente). Mas sempre pensou grande, globalmente e em larga escala. Seu grande legado para a sociedade foi democratizar a tecnologia. Para si, foi ganhar muito com isso.
- Antecipe e Aja – Bill sempre soube antecipar movimentos. Foi assim com a Apple nos anos 80, que detinha a inteligência do que viria a ser o Windows, invenção originária da Xerox. Negociou com a IBM seu DOS, dominou os PCs e depois “enfiou” o Windows em todos eles. O resto é história.
- Fique Perto de Seus Inimigos: Bill, como ninguém, sempre soube ter seus “inimigos” perto de si. Manteve Jobs por perto, a IBM, os políticos… Lição da máfia esta: “Keep your friends close, and your enemies closer”
- Copie e Entregue Primeiro ou Melhor: Por ser hábil antecipador de movimentos, com grande senso de percepção de oportunidades, Bill sempre conseguiu ver o todo muito bem. E assim, soube quando não seria tão competitivo, caso optasse por empreender de forma independente. Ou seja, copiou o que não tinha e lançou primeiro (Windows), ou melhor (Internet Explorer). Outros advogam em favor desta prática e fazem isto muito bem. O GP, com a Ambev, por exemplo, é um caso clássico e assumido.
- Seja Obstinado e Faça Concessões Inteligentes: Bill sempre foi um obstinado pelo sucesso, pelo poder e pelo dinheiro. E sempre soube quando tinha que cortar na própria carne. Foi assim quando largou Harvard por uma garagem. Foi assim quando cedeu à pressão por liberação dos códigos de seus produtos. Bill aceita perder agora para ganhar mais depois. E não tira o pé do freio.
- Corrija Seus Erros e Pise Fundo na Nova Rota: Do descrédito que dava à Internet em 93 (quanto tinha somente 3 pessoas dedicadas ao tema) à liderança de mercado nos navegadores 3 anos depois (sepultando o Netscape) e da canibalização do DOS por interfaces mais gráficas, são inúmeros os exemplos de rotas que Bill corrigiu. Quando percebe um erro, corrige rápido e entra com foco, recursos e capital para dominar.
- Sempre Traga Grandiosidade aos Seus Argumentos de Venda: Aqui Bill perde para Jobs, mas ainda sim faz muito bem sua parte. Mais estrategista e menos eloqüente que Steve, Bill Gates sempre associa grandes vantagens ou prevenção de enormes riscos (em escalas globais) aos seus novos lançamentos. E consegue a atenção de todos, que se identificam com o benefício a ser ganho ou com o problema a ser evitado, de simples usuários domésticos, a empresas, governos e universidades.
- Torne-se um Mito e Alimente Redes em Torno Disso: Bill sempre deixou que falassem dele. Bem ou mal. Aprendeu com Buffet a ficar por trás das cortinas e deixar que os outros falassem dele e da empresa. Ou será verdade, por exemplo, que Microsoft incentiva a pirataria por baixo dos panos para espalhar seu Windows numa sangrenta batalha por domínio de padrões e, em contra-partida, investe milhões em campanhas e movimentos contra a pirataria, se associando a governos? Não interessa. O fato é que o mito de Bill se alimenta disso. E os fãs, que se tornam distribuidores, revendedores, desenvolvedores, clientes e usuários de seus produtos, reforçam a rede de distribuição, vendas, serviços e reputação positiva em torno da MS.
Humano que é, Bill errou bastante ao longo dos 25 anos que está por aí. Inteligente que é, soube corrigir os mais críticos e abandonar os menos relevantes.
Se com Bill, a MS não soube inovar em 25 anos; “sem Bill”, a MS pode não saber reverter cenários adversos com seu arsenal de competências, networking e recursos. A agora, a empresa está numa inflexão estratégica de cunho global, competindo com 2 players de respeito, o que pode lhe custar muito caro. Bill sabe disso. O mercado sabe disso. E Bill sabe mais… Foi ele, com a MS e o Windows, que mostraram ao mundo que em Tecnologia, quando se trata de padrões, “the winner takes it all”. O que vai ser da MS?