Em muitos lugares do mundo, os gastos com Internet (banda estreita ou larga) têm valores fixos mensais para os usuários. Isso quer dizer que, independente do volume mensal de uso para acesso à Internet, não há variação ou impacto da telefonia na conta que o usuário paga à operadora responsável por lhe prestar o serviço.
Para fins de comparação, o sistema funciona mais ou menos como os rodízios de pizza, sushi ou carnes, em que, independente do quanto se come, o valor pago por qualquer cliente é o mesmo… e fixo. A lógica estratégica dos proprietários desses estabelecimentos é a de diluição de riscos aliada ao estímulo do consumo por proposição de valor relativo (muito volume e variedade com a segurança do teto de valor pré-conhecido).
Traduzindo: venha, coma quanto quiser e não tenha surpresas com a conta no final. A lógica financeira por trás dessa estratégia também é simples: alguns clientes dão prejuízo sim (os gulosos, ou heavy users), mas o dono do serviço conta com a diluição desse prejuízo na contribuição daqueles que comem menos do que pagam (ex: mulheres, crianças, idosos, pessoas de dieta, etc)… e que representam um contingente muito maior que o do primeiro grupo. Em outras palavras, no final das contas, vale a pena.
No mundo híbrido da convergência da telefonia e da Internet vivemos, ainda que de forma low-profile, a discussão, no Brasil, da viabilidade de se adotar (ou não) a tarifa plana para acesso a Internet. Ou seja, potencializar o número de usuários de Internet – interesse do Governo (pela inclusão digital), das empresas e dos players do mundo online, e da telefonia – pela proposição de um modelo de cobrança mais barato, claro e controlável ao usuário.
Complementarmente, além de favorecer ao usuário, esse modelo de tarifa plana também favorece aos provedores de Internet pertencentes às empresas de telefonia, pois facilita os chamados cross-sell e up-sell; ou seja, voltando à analogia acima, favorece ao dono de restaurante que no menu oferece salada, sushi, churrasco e massas, tudo junto, pelo mesmo preço (a última milha com billings de baixo ticket médio).
Um ponto a ser explorado é o fato de a tarifa plana ofertar tráfego ilimitado, mas isso fatalmente a tornaria mais cara que o modelo de tarifa por hora e que o modelo de tarifa fixa + variável. Assim, o usuário, ao escolher o plano (algo como as promoções por número do McDonald’s) vai ter que levar em consideração o tempo médio mensal que pretende navegar na Web. Portanto, a tarifa plana só será vantajosa para as pessoas que utilizarem a Internet em grande escala; ou seja, em muitos casos será mais vantajoso para a pessoa se manter no modelo de pulso único e utilizar a Web em finais de semana, madrugadas e feriados nacionais, por exemplo.
E aí fica a pergunta título deste artigo: Se adotássemos o modelo de tarifa plana no Brasil, fazendo com que os usuários soubessem/programassem de antemão o quanto vão pagar no final do mês, independente do volume de uso de Internet, mais pessoas acessariam a Internet no Brasil?
Explicitamente, as respostas são: não, no curto prazo, e pode ser que sim, no longo prazo.
A favor da tarifa plana temos vários argumentos, dentre os quais: (i) potencial aumento da base de usuários (inclusão digital) pela redução do valor mensal de acesso, (ii) potencial aumento do volume de uso dos atuais usuários, dada a planificação das despesas mensais, independente do volume (senso de ganho ou custo x benefício positivo), (iii) estímulo para os pseudo-internautas, (hoje incluídos, porém pouco ativos) tomarem mais gosto pela coisa, experimentar mais, (iv) maior capacidade de controle, previsibilidade de despesas, principalmente para pais desesperados porque seus filhos não se controlam, ou para heavy users, (v) potencial garantia de receitas fixas mensais para operadoras, assumindo redução de churn em função da programação dos usuários e da redução de incertezas de final de mês, etc.
Hoje, além dos usuários que acessam a Internet por meios públicos, acessam a Internet no Brasil os cidadãos que possuem condições financeiras de pagar pelo acesso ou os que a acessam a rede via escritório e, portanto, não pagam diretamente, mas já são familiarizados com o serviço e suas maravilhas.
Dentre essas pessoas, os early adopters e heavy users (que não sustentam operações comerciais de larga escala, pois não chegam a 15% do total de usuários) estão migrando para banda larga (cabo, ADSL, Wi-Fi, GSM, 3G, etc), porque querem sempre mais; os demais, a grande maioria, estão “satisfeitos” em usar a Internet no nível em que estão utilizando.
Porém, esses 2 grupos somam (estimativas otimistas) algo em torno de 50 milhões de brasileiros, pouco menos de 30% de nossa população, que pode se dizer 100% incluída digitalmente. Quanto aos demais, bem… aí a tarifa plana não pode fazer muito por eles. Vale lembrar que o acesso grátis – a Internet grátis – não foi capaz de elevar o número de usuários da base de forma consistente. Lembremos também do exemplo da TV por assinatura, que possui valor fixo mensal pré-definido e nem por isso tem conseguido crescer a níveis razoáveis nos últimos anos.
O fato inexorável é que hoje, no Brasil, temos um gap sócio-econômico que também se reflete na capacidade do cidadão brasileiro ter acesso à Internet ou não. Pode-se dizer, com isso, que o problema da exclusão digital não está no modelo de acesso (de novo Internet grátis como exemplo), mas na condição atual da população brasileira, principalmente das classes C a E, que precisam contar com o acesso público ou corporativo como principal meio de conexão. Nessas classes, por diversas razões (de trade-off no orçamento mensal – classes C e D, até o não conhecimento aprofundado do que é a rede – classe E), não há, muitas vezes, decisão de acesso em escala. Em muitos casos, nem demanda reprimida.
Podemos, portanto, no curto prazo (enquanto o Brasil apresentar o desempenho macro-econômico atual e mantiver as distâncias entre as classes sociais em níveis distantes), concluir que a tarifa plana não estimularia o aumento do número de usuários, uma vez que quem não está na Internet não está tanto por questões financeiras, em primeira instância, como culturais.
Em suma, a tarifa plana só iria, de fato, aumentar o volume de uso dos que já têm Internet e, eventualmente, estimular aqueles que têm, mas não usam muito. Mas reconhecemos que o atual usuário não é o problema da inclusão digital, porque já está incluído. Portanto, o modelo de cobrança não é, atualmente, o problema dos que não estão incluídos.
O real problema dessas pessoas é acesso à informação (saber o que é, para que serve, benefícios…), acesso a treinamento (como usar) e acesso a pontos com Internet (telecentros e Internet nas escolas, por exemplo), acesso a linhas telefônicas e a crédito barato (para poderem comprar seus PCs e Smart-Phones).
Para esses excluídos, portanto, a receita é de médio-longo prazo. É a somatória dessas ações com a Internet no celular e TV Digital, quando esta, de fato, existir. O fenômeno da Internet grátis provou que o problema não está no custo do acesso, mas no custo de se acessar a rede (ou seja, de tudo que envolve acessar a Internet, desde saber como e para quê, até ter um PC, linha telefônica, softwares, etc).
O problema é, portanto, holístico e não pontual. E, nesse caso, os esforços do Setor, das empresas, das ONGs, dos governos (em suas 3 esferas) e dos indivíduos (incluídos e a serem incluídos) devem ser casados; do contrário, não se tira a roda da inércia atual.
Carece-se, de fato, de um plano real – multipolar, de inclusão digital, sem, em hipótese alguma, sucatear operadoras de telefonia e provedores de acesso. E, realisticamente, a tarifa plana pode ser um ingrediente desse menu, talvez a entrada, mas não todo menu em si.