Muito já foi dito sobre a Internet, especialmente nestes últimos 2 anos de Web 2.0. Que a rede tem alterado conceitos e padrões sociais ninguém questiona. Porém, a premissa mais importante que está por trás da validade econômico-comercial de todo processo digital (e-whatever) é a existência de redes sociais e comunidades virtuais ativas e integradas… e, sobre elas, pouco se sabe, pouco se consegue dimensionar, pouca experiência se tem, pouco efetivamente se faz.
Comunidades virtuais são grupos de pessoas que se unem espontaneamente em torno de valores, assuntos, interesses, vontades, comportamentos e atitudes comuns. Isto quer dizer que pessoas “parecidas” podem pertencer a comunidades diferentes e pessoas aparentemente “tão diferentes” podem pertencer às mesmas comunidades. Um executivo e um adolescente podem pertencer a uma mesma comunidade de interesses musicais, por exemplo.
Com a nova Internet social, o mistério de formação de comunidades transcende a tradicional análise de perfis. A segmentação de públicos-alvo passa a ter um caráter diferenciado, uma vez que premissas sócio-econômicas, geográficas e comportamentais não são mais suficientes; cultura, atitudes e crenças/valores têm relevância preponderante.
As pessoas têm traços de personalidade comuns, mas isto não significa necessariamente que sejam parecidas. Ser parecido em um ponto com alguém não significa ser parecido com alguém (alfaces e marcianos são verdes e nem por isso existe qualquer relação entre eles). Pensemos em conjuntos e sub-conjuntos: torcedores de times de futebol fazem parte do conjunto “Torcedores de Times de Futebol” portanto têm, em nível superior, os mesmos interesses. Porém, torcedores do Corinthians e do São Paulo, dois subconjuntos, têm interesses específicos, comportamentos e atitudes completamente diferentes entre si… são 2 comunidades completamente distintas. Idem para protestantes e católicos dentro do conjunto cristãos… tão parecidos e tão discordantes.
É premente que se entenda a complexidade do processo de agrupamento de pessoas em torno de valores, origens e temas e específicos para se entender a força motriz que alimenta as comunidades virtuais e as redes sociais.
Comunidades virtuais não são construídas. Se auto-constroem. Mas podem ser potencializadas, incentivadas. O interesse e vontade (aceitação) das pessoas é mais forte que qualquer processo formal de agrupamento.
No mundo virtual, leva vantagem aquele que entender que o papel do gerenciador de comunidades é criar condições para que elas se desenvolvam, dando ferramentas, feedback, conteúdo, alimento para seu progresso. A interferência exagerada do mestre de cerimônias nos sites, portais ou redes e seu arsenal de ferramentas de comunidades (blogs, wikis, messengers, chats, forums, clubes de fidelidade, grupos de e-mail, grupos de opinião, etc) não é aconselhada. Estes ambientes virtuais dirigidos a determinados públicos devem servir de palco para a interpretação e desenrolar das relações entre os indivíduos-membro das comunidades.
Um outro ponto interessante é a forma como as comunidades evoluem de maneira auto-gerenciada. Por isso, seu comportamento e “futuro” é de certa maneira caótico. As comunidades podem ser temporárias. A previsibilidade e o controle do comportamento das comunidades devem ser tratados no nível sugestional, no nível do entendimento da experiência dos usuários. Só quando se entende a experiência, pode-se modelá-la.
Assim, poderíamos, exercitando McLuhan, definir comunidades virtuais como as aldeias, tribos da nova ordem sócio-econômica. Essas tribos online são, na verdade, evoluções cruzadas e enriquecidas das tradicionais tribos sócio-comportamentais, dentre as quais podemos exemplificar surfistas, estudantes, mauricinhos, solteiras, dentre outras.
Nossa sociedade pré-Internet ainda estava delimitada por barreiras como geografia, tempo, informação. Era, portanto formada pelas tribos sócio-comportamentais como as acima citadas, mas principalmente pelas tribos primárias, formadas a partir de fatores como região, geografia, cultura e história. Brasileiros, bascos, gaúchos, paulistanos, platinos, sul-americanos, moradores da Vila Carrão são exemplos de tribos. Outros motivadores capazes de agregar tribos são fatores inerentes ao ser-humano, como paternidade, raças, opção sexual e religiões (vide exemplos como GLBT, negros, católicos, os Kennedy, etc).
Portanto, entendendo as unidades fundamentais de nossa civilização, como as tribos indígenas e os visigodos, por exemplo, podemos afirmar que tudo o que conhecemos e definimos hoje como sociedade cabe dentro do racional evolutivo dessas tribos (e povos). Aliás, muitas delas, como as indígenas, se formaram e mantiveram fieis à sua cultura, história e valores ao longo dos anos. Essas tribos primárias dividiam ritos e hábitos como forma de afirmação de suas crenças e existência.
O mais interessante é que, mesmo mudando a roupagem e motes congremiadores de indivíduos em tribos, as atuais tribos virtuais também se validam por ritos e rituais. Fenômenos como a fidelização a marcas e o espelhamento individual em ídolos, dentre outros, nos mostram que, apesar de mudarmos de casca, não mudamos na essência.
A Internet, como palco potencializador das mais variadas tribos, está resgatando e maximizando o processo de fragmentação da capacidade de inserção social (e efervescendo o tal do micromarketing e dando voz a teorias conceitualmente falhas como “cauda longa” e “mundo plano”). É o nirvana de nossas identidades.
Imaginemos então como seria a experiência de levar esse ambiente digital, tão rico e interativo, a essas tribos arraigadas, como as indígenas? Certamente, seria uma forma de integrar essas tribos ao universo e, ao mesmo tempo, criar uma forma de oferecer aos seus membros duas oportunidades especiais: retro-afirmar seus valores utilizando-se de outras formas (como blogs, fotologs, wikis, podcasts, fóruns, chats, etc) e mostrá-los à sociedade (aproveitando a capacidade de universalização da informação que a Internet proporciona).
Esse movimento significa levar o futuro ao passado, ou seja, uma viagem no tempo capaz de unir valores absolutamente distintos, de tribos separadas por milhares de anos, em um mesmo ambiente. É, sociologicamente falando, uma oportunidade bastante interessante de avaliar a evolução de nossos valores, em que estágio realmente estamos, comparando nossos valores atuais como os valores tribais que um dia tivemos e, talvez, ainda tenhamos na essência.
Acreditamos que vale tentar, se não por fundamento sócio-antropológico, por pura curiosidade.